Criança que respira pela boca...
...corre o risco de acabar com déficit de atenção e hiperatividade, dificuldade de aprendizado e até problemas de crescimento
por Michelle veronese com Paula desgualdo
Sete da manhã — o pequeno, que já deveria estar de pé, mal consegue sair da cama. Está sonolento, cansado demais para ir à escola. Os pais insistem, a criança se esforça e, na sala de aula, aparecem as sequelas da noite mal-dormida: ela fica apática ou irritada, sem prestar atenção em nada. Se o seu filho anda passando por isso, olho atento ao narizinho dele. Os médicos estão cada vez mais convencidos de que esse órgão essencial para a nossa respiração, se não utilizado adequadamente, pode estar por trás de um inesperado efeito dominó. “Quando as crianças respiram pela boca, o cérebro recebe pouco oxigênio, o que prejudica a capacidade de atenção e o rendimento escolar”, afirma o otorrinolaringologista Manuel de Nóbrega, da Universidade Federal de São Paulo.
Essa relação é tão estreita que uma pesquisa inédita, realizada na Universidade de São Paulo, revela que a respiração bucal pode desencadear ou agravar o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em crianças. A ortodontista Carolina Marins, autora do estudo, confirmou o elo após acompanhar meninos e meninas com o problema (veja a nota: parece até outra menina). “Aqueles que voltaram a respirar pelo nariz apresentaram uma melhora impressionante no desempenho escolar e no quadro de TDAH”, conta ela.
É bom que fique claro: nem toda criança que respira pela boca está fadada a ter déficit de atenção e hiperatividade. “Cada coisa é uma coisa, e apenas em alguns casos os dois problemas estão relacionados”, alerta a fonoaudióloga Janete Barbosa, de Porto Alegre, que há 20 anos cuida de crianças com a síndrome da respiração bucal (SRB). Como os dois distúrbios comprometem o aprendizado infantil, muita gente se confunde. Daí, ela sugere um time de especialistas para fazer o diagnóstico correto.
O psicólogo ou o psiquiatra podem confirmar se é mesmo um caso de TDAH. Já o otorrinolaringologista, o odontopediatra e o fonoaudiólogo irão investigar o que está impedindo o pequeno de respirar pelo nariz. “Às vezes, pode ser um simples mau hábito, de quando a criança chupava o dedo ou tomava mamadeira”, diz Janete.
As causas ainda podem ser orgânicas — desvio de septo e crescimento do tecido que reveste as cavidades nasais, conhecido como adenoide — ou funcionais, quando deflagradas por rinite, sinusite e alergias respiratórias. “Em todas essas situações, o ar não passa livremente pelas vias aéreas superiores e a criança compensa aspirando pela boca”, diz Manuel de Nóbrega.
Agora, imagine a consequência de respirar de modo incorreto, dia após dia. “A criança pode ter dificuldade de deglutição, mastigação errada, a arcada superior tende a se projetar para a frente e a inferior para trás”, explica Carolina. Não é de admirar que até a aparência dos pequenos muda com o tempo — os músculos da face ficam flácidos, o rosto alongado, o olhar caído e a boca entreaberta. Sem oxigênio suficiente, o crescimento também é afetado. “No final das contas, é imenso o prejuízo para a socialização e o desenvolvimento do pequeno”, observa a psiquiatra Kátia Mathias, do Rio de Janeiro.
Mas calma, porque é possível reverter tudo isso — com a ajuda de vários profissionais, como já explicamos. “Cada um em seu campo vai avaliar como corrigir o problema e os efeitos da SRB”, conta Carolina. A duração do tratamento depende do caso em questão, assim como a indicação de aparelhos ortodônticos, cirurgia e acompanhamento fonoaudiológico. Ah, é preciso lembrar que, depois disso tudo, a síndrome pode persistir mais um pouco. Aí, a culpa é do cérebro. “Ele leva algum tempo para se adaptar à mudança”, entrega Janete. Mas, com paciência, o menino ou a menina logo voltará a usar o nariz para a nobre função de respirar.
De olho na boca
É com a ajuda dos lábios — e não das narinas — que o respirador bucal absorve o ar que vai para os pulmões. Note como fica a criança com esse problema:
• Mantém a boca aberta na maior parte do tempo
• Dorme mal e ronca
• Sente sonolência e irritação
• Articula mal as palavras
• É desatenta e tem baixo rendimento escolar
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