UM ANO
O primeiro aniversário é, sem dúvida, uma ocasião importante. Os usos populares requerem um bolo e uma vela acesa para celebrar o acontecimento; e, numa base cronológica, isso está perfeitamente certo. Mas, do ponto de vista biológico, esse aniversário não assinala uma época, porque o bebê de 1 ano passa por transformações de caráter desenvolvimento que não se completam antes da idade de 15 meses. E se pensarmos antes nele como sendo uma criança de 15 meses em via de elaboração, isso nos ajudará a compreender melhor as suas características de comportamento.
A criança de 1 ano é capaz de sentar-se sozinha, mas prefere engatinhar; é capaz de ir de um lado para outro, e de trepar, se arranjar um bom apoio para as mãos. Mas esses esquemas são quadrúpedes e não bípedes. Muitas crianças, já no final do primeiro ano, caminham sobre as mãos e as plantas dos pés, em lugar de o fazerem sobre as mãos e os joelhos. Essa é a última de duas dezenas de fases que a levam, finalmente, a assumir a postura ereta. Quando os pés se tornam o suporte, as mãos depressa se libertam.
Gosta mais de brincar com vários pequenos objetos do que só com um. Pega neles, um de cada vez, deixa-os cair e apanha-os de novo, um por um. Este comportamento, superficialmente visto, afigura-se-nos um tanto desordenado; mas é, realmente, muito ordenado, do ponto de vista do desenvolvimento natural, porque este esquema de ação de um-por-um é um esquema rudimentar de contagem. Não é tão complexo como um jogo propriamente de contar, mas é um pré-requisito do desenvolvimento.
O bebê tem outra razão para estes manejos de apanhar e deixar cair. Está exercitando as suas capacidades de largar, ainda imaturas, mas em vias de amadurecimento. Depois de ter aprendido como se agarra, tem agora de aprender como se larga. Se parece exagerar essa atividade é porque ainda não domina com precisão os seus músculos extensores. Daí a sua brusquidão de movimentos e também a sua incapacidade de largar na altura própria.
Mas se começarmos a jogar com ele um jogo simples de fazer rolar uma bola para lá e para cá, notaremos os significativos progressos que ele fez desde a idade de 40 semanas. Às 40 semanas, talvez encarasse as nossas propostas com reservas, observando os nossos movimentos, mas sem responder a eles. Em vez disso, segurava a bola e levava-a à boca ou devolvia-a com um gesto mal definido. Com a idade de 1 ano, a sua maneira de largar a bola constitui uma resposta; há nela um elemento de imitação voluntária e de iniciação. Mais um mês, larga a bola, dando-lhe um impulso ligeiro, mas bem definido – e tudo isso nos leva a pensar quanto esses simples esquemas são complicados e quantas coisas dependem da maturação.
As oportunidades de convívio social facilitam incontestavelmente a conformação dos esquemas e favorecem uma organização saudável das emoções que os acompanham. A criança de 1 ano gosta de ter uma plateia. É uma das razões porque ela é tantas vezes o centro do grupo familiar. Nessa qualidade, revela uma tendência teatral para repetir habilidades que fazem os outros rirem. Gosta dos aplausos. Isso pode ajudá-la a sentir a sua própria identidade, tal como aprendeu a sentir melhor a roupa, batendo fortemente com ela no tabuleiro. Está agora definindo uma distinção psicológica difícil – a diferença entre ela própria e os outros.
É suscetível a certas formas primitivas de afeto, ciúme, simpatia e necessidade. Pode ser sensível ao ritmo. Pode até manifestar um certo senso de humor, porque se ri de sons bruscos inesperados e de incongruidades espantosas. Pode ser um imitador prodigioso. Mostramo-lhes como se faz soar uma sineta e ela põe-se a agitá-la furiosamente, numa manifestação de reciprocidade social. Mas pára, de súbito, em meio de toda aquela animação, para empurrar o badalo com um dedo inquiridor! Isso não fazia parte da demonstração, mas faz parte da criança. Devemos estar gratos à natureza que a protegeu com esse grau de independência. Afinal, nós não pretendemos inundá-la de aculturação.
Fonte: GESSEL, Arnold. A criança do 0 aos 5 anos. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
GESSEL, Arnold, A criança dos 5 aos 10 anos. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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