TRÊS ANOS
As coisas se aquietam brevemente, aos três anos, para a maioria das crianças. A criança de dois anos e meio parece gostar de resistir. A de três, parece gostar de conformar-se. A criança típica de três anos usa a palavra “Sim” com tanta facilidade quanto usava antes a palavra “Não”.
Aos dois anos e meio, parecia ser só “tomar”. Aos três anos, a criança gosta tanto de dar quanto de tomar. Gosta de partilhar – tanto objetos como experiências. “Nós” é outra palavra que usa com frequência. Expressa sua atitude cooperativa e condescendente com pessoas e coisas que a cercam, talvez porque esteja em melhor equilíbrio consigo mesma. Não parece mais necessitada de proteção, de rituais, de fazer tudo da mesma maneira. Maior maturidade levou-a a sentir-se muito mais segura em suas relações com os outros.
Não apenas a necessidade de rituais passou, mas quase todos os outros aspectos do comportamento dos dois anos e meio, que criavam dificuldades para ela e para aqueles à sua volta, também parecem ter desaparecido ou, pelo menos, diminuído. A criança não é mais rígida, inflexível, dominadora, gananciosa. Não é mais necessário que tudo seja feito à sua maneira. Agora ela não pode apenas fazer as coisas à maneira dos outros, mas pode gostar de fazê-lo.
Pessoas são importantes para ela. Gosta de fazer amigos e, muitas vezes, mostra-se disposta a deixar um brinquedo ou um privilégio a fim de permanecer nas boas graças de outra pessoa – coisa de que era incapaz anteriormente.
A maior capacidade motora permite que rotinas cotidianas e outras atividades necessárias possam ser realizadas com dificuldade mínima. Permite, também, à criança desenvolver com sucesso atividades de brinquedo que antes a desorientavam e enraiveciam.
Mas, acima de tudo, sua maior capacidade na linguagem e seu interesse pela linguagem ajudam-na a ser uma deliciosa companheira, um interessante membro do grupo. Seu vocabulário e sua capacidade de usar linguagem aumentaram tremendamente na maioria dos casos. Sua própria apreciação da linguagem dos outros aumentou. Agora, ela não só pode ser entretida, como também entreter a si própria. Gosta de palavras novas que podem muitas vezes, atuar como magia no sentido de influenciá-la a comportar-se como desejamos. Palavras como “novo”, “diferente”, “grande”, “surpresa”, “secreto”, tudo sugere sua maior percepção no excitamento de novos horizontes. Palavras como “ajude”, “poderia”, “adivinhe”, são ativos motivadores para levá-la a realizar tarefas necessárias.
A criança de dois anos, frequentemente, parecia resistir apenas por uma questão de princípios. Era mais seguro. A de três anos avança positivamente para enfrentar cada nova aventura.
Temporariamente, aos três anos, muitas crianças chegam ao que a maioria dos pais e professores considera um delicioso estágio de equilíbrio. Os desejos da criança e sua capacidade de realizar tais desejos parecem, durante algum tempo, estar em equilíbrio notavelmente bom. As crianças de três anos, em sua maior parte, parecem estar bem satisfeitas consigo mesmas e com aqueles que a cercam, e o sentimento tende a ser recíproco. Parecem ainda, pelo menos no que mostra seu comportamento exterior, sentir-se seguras dentro de si.
TRÊS ANOS E MEIO
Aos três anos e meio, ocorre, em muitas crianças, uma tremenda mudança. É como se, a fim de passar do equilíbrio do estágio de três anos para aquele que é geralmente atingido aos cinco anos de idade, o comportamento da criança precisasse romper-se, soltar-se e atravessar uma fase de nova integração. Tudo isso chega ao que é, para muitas crianças aos três anos e meio de idade, um período de acentuada insegurança, desequilíbrio e incoordenação.
Por isso, a má ou nova coordenação pode expressar-se em qualquer dos terrenos de comportamento ou em todos eles. Pode expressar-se apenas temporariamente em algumas crianças, por período consideravelmente mais longo, e de maneira mais acentuada em outras crianças. É tão característica deste período etário determinado que, embora certos fatores ambientais possam exagerá-la, em muitos casos podemos, com razão, considerar que é causada somente por fatores de crescimento. Certos subprodutos do comportamento iniciados neste período, como gagueira, podem continuar por mais tempo do que deveriam dentro do curso de crescimento mais usual.
Por isso, vocês podem procurar incoordenação em qualquer dos terrenos do comportamento ou em todos eles. Incoordenação motora, por exemplo, pode expressar-se em tropeções, quedas, medo de altura. A criança que antes demonstra excelente coordenação motora pode passar por um período de extremo desequilíbrio motor.
As mãos, e mesmo o corpo todo, podem ser envolvidos. Assim, a criança cujos movimentos de mão e braço haviam sido até agora fortes e firmes pode, de repente, desenhar com linha fina e oscilante: pode adquirir um tremor de mão perceptível. A linguagem pode ser envolvida. Gagueira, muitas vezes, aparece em crianças que nunca antes haviam gaguejado. Olhos e ouvidos podem ser envolvidos. Pais muitas vezes ficam preocupados com o estrabismo temporário (ou mais persistente) que surge nesse tempo. A criança talvez se queixe, dizendo que não vê ou que não ouve. As descargas emocionais são, com frequência, exageradas. Assim, a criança pode piscar os olhos, morder as unhas, beliscar o nariz, exibir tiques faciais ou outros, masturbar-se, chupar o dedo excessivamente. E, por fim, junto com dificuldades motoras e verbais, muitas vezes sobrevêm tremendas dificuldades nas reações com outras pessoas. A criança de três anos e meio expressa sua segurança emocional chorando, lamentando-se e perguntando-se frequentemente. Ou pode exigir que toda a atenção se focalize nela e, assim, tornar-se extremamente ciumenta de qualquer atenção prestada por membros da família entre si. Com seus amigos, também ela mostra considerável segurança e grande exigência de sua atenção exclusiva. Os extremos emocionais que expressa (muito acanhada/expansiva) também fazem dela um participante inseguro de qualquer situação social.
Se o adulto seguro sabe de tudo isso, pode ajudar muito. Antes de tudo, pode impedir que se culpem vários aspectos do ambiente. Pode estimulá-las a melhorar o ambiente, e pode ajudar a dar-lhes paciência para demonstrar pela criança a afeição adicional, a compreensão adicional de que ela tão desesperadamente precisa nessa idade.
Fonte: GESSEL, Arnold. A criança do 0 aos 5 anos. 6.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
GESSEL, Arnold, A criança dos 5 aos 10 anos. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
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